Um derramamento de óleo e os desafios para a proteção da Amazônia Azul

30/08/2021
Por: Fernanda C. Pirillo Inojosa

Em 2019, o Brasil foi atingido por um crime ambiental sem precedentes – mais de 5 mil toneladas de resíduos oleosos foram retiradas de nossas praias, no combate à poluição que atingiu 1.009 localidades no litoral brasileiro, afetando todos os Estados entre o Rio de Janeiro e o Maranhão.

 

 

Os primeiros fragmentos chegaram à costa na Paraíba em 30 de agosto de 2019, e, em seguida, começaram a surgir pelotas de óleo de forma esparsa em Pernambuco, Sergipe e demais Estados. Até esse momento, não se sabia que os fragmentos teriam a mesma origem ou que continuariam se espalhando pelo litoral.

 

Poucos dias antes, acontecera um acidente em uma refinaria de Pernambuco e, assim, o Ibama supôs que os fragmentos teriam vindo dessa instalação. Após vistorias, essa hipótese foi descartada. Poucos dias depois, também desconsiderou-se a origem como sendo de plataformas marítimas de petróleo, por não haver nenhum incidente recente que justificasse o aparecimento do óleo.

 

Ao longo dos dias, o volume de resíduos que chegava às praias foi se intensificando, o que culminou, em outubro de 2019, com o primeiro acionamento do “Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional” (PNC). De acordo com a legislação brasileira, um derramamento de óleo deve obrigatoriamente ser comunicado ao Ibama, à Marinha do Brasil e à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Além disso, cabe ao responsável pelo dano providenciar a sua reparação, conforme o princípio chamado “poluidor-pagador”, que foi estabelecido pela Política Nacional de Meio Ambiente.

 

 

Militar da Marinha sobrevoa o litoral baiano

 

O princípio do “poluidor-pagador” norteia a relação entre os órgãos ambientais e os potenciais poluidores: para realizar uma atividade que tem impactos ou riscos ao meio ambiente, o empreendedor deve obter uma autorização ou licença ambiental antes de iniciar sua operação. O Ibama as emite somente quando o empreendedor comprova que é capaz de gerenciar seus riscos e de responder aos acidentes originados em sua propriedade/instalação.

 

No caso das atividades de produção e exploração marítima de petróleo, o responsável deve apresentar ao Ibama um Plano de Emergência Individual (PEI), no qual constam todas as ações para combater um eventual derramamento de óleo, recursos e estrutura de resposta, dentre outros.

 

Anualmente, o Ibama acompanha exercícios simulados das empresas de petróleo, nos quais são testadas capacidades diversas como: fluxo de comunicação, tempo de mobilização de equipamentos, efetividade das estratégias de resposta, etc.

 

Para incidentes relevantes de derramamento de óleo, o PNC estabelece que cabe ao Governo Federal, em linhas gerais, avaliar as ações desenvolvidas pelo poluidor e facilitar a resposta aos grandes incidentes. Uma facilitação seria, por exemplo, a liberação ágil de materiais vindos do exterior ou a autorização excepcional para uso de dispersantes químicos no mar. Os derramamentos “sem dono”, por sua vez, não são incomuns. Anualmente, o Ibama registra uma dezena de pequenos vazamentos de óleo que não são devidamente comunicados. São incidentes pequenos, em que o óleo se degrada naturalmente ou cuja solução é dada pelos órgãos locais.

 

A situação que se desenvolveu em 2019, contudo, foi considerada inédita no mundo pois, além de não ter o poluidor identificado, envolveu um grande volume de óleo, que ressurgiu de forma errática em diversos pontos da costa. Como consequência, todas as ações, que deveriam ter sido executadas pelo poluidor, tiveram de ser desenvolvidas pelo poder público, em um esforço inédito de coordenação e cooperação. Nesse ponto, a importância da gestão conjunta entre o Ibama, a Marinha, a ANP e a Defesa Civil, além de outros parceiros, foi certamente uma das principais lições aprendidas no primeiro acionamento do PNC.

 

Fernanda Pirillo no Centro de Comando e Controle do Grupo de Acompanhamento e Avaliação

 

Outra questão que veio à tona refere-se à necessidade de ampliar o monitoramento sobre a nossa Amazônia Azul, pois a pergunta é inevitável: como podemos depender do próprio poluidor para termos conhecimento de um derramamento de óleo nas nossas águas? Tudo indica que os registros de derramamentos de óleo no País são subestimados, pois muitos poluidores devem optar pelo risco da não identificação, em vez da certeza das sanções por causar poluição no mar. A Amazônia Azul brasileira tem área equivalente à da Floresta Amazônica (e daí possivelmente a alusão ao nome), portanto a vigilância de uma área tão extensa é um desafio por si só. No caso específico de 2019, localizar a mancha de óleo na água ou prever o seu comportamento foram ações ainda mais difíceis pois, diferentemente do que normalmente ocorre, o óleo estava se deslocando abaixo da superfície da água. Como consequência, a mancha era invisível a todas as tecnologias de detecção remotas de óleo no mar, omo satélites e sensores especializados, o que tornava impossível qualquer ação para conter o óleo antes que chegasse à costa. Sendo assim, a principal estratégia para combater o vazamento foi limpar o óleo rapidamente, assim que tocasse o litoral. Foi montada uma operação de guerra para recolher o óleo, envolvendo voluntários, instituições públicas e privadas, civis e militares. A Marinha direcionou a Operação “Amazônia Azul - Mar Limpo é Vida” para atender o PNC, com emprego maciço de pessoal e meios no combate ao óleo.

 

A Operação “Mar Limpo é Vida”, cabe dizer, é um ótimo exemplo de ação conjunta para proteção do meio ambiente, agora focada no combate ao lixo no mar, outro grande problema ambiental no mundo. A experiência de gestão vivenciada em 2019 certamente contribuiu para o aperfeiçoamento dos órgãos públicos e para estreitar a parceria já existente entre as instituições, mas o desafio da proteção ambiental ainda é imenso, como as nossas duas Amazônias.