A Marinha do Brasil e a Academia Brasileira de Ciências: um relacionamento de longa data

23/06/2021
Por: Luiz Davidovich*

A chegada dos portugueses no Brasil, em 22 de abril de 1500, foi possível graças ao  investimento de Portugal no desenvolvimento náutico e, em especial, à estratégia de desenvolvimento científico e tecnológico estabelecida pelo infante Dom Henrique, no século XV, na região de Sagres. Não por acaso, portanto, esse é também o Dia da Ciência, Tecnologia e Inovação da Marinha do Brasil, cujo relacionamento  com  a  Academia  Brasileira de Ciências (ABC) vem de longa data.

 

O Brasil deve a posse de suas reservas de urânio e o consequente desenvolvimento  da  energia nuclear  ao  Almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva, que ingressa na ABC em 1921 e se torna seu Presidente nos biênios 1935-1937 e 1949-1951. É sucedido, no primeiro mandato, pelo também Almirante Adalberto Menezes de Oliveira, Presidente da ABC no biênio 1937-1939, professor da Escola Naval e membro fundador da ABC, que representou na criação, em 1938, da Comissão de Metrologia. Durante o primeiro mandato, Álvaro Alberto propõe ao Presidente Getúlio Vargas a criação de um “Conselho Nacional de Pesquisas Experimentais”, o que resulta em mensagem enviada por Getúlio ao Congresso, em maio de 1936. Pouco depois, em 1939, inclui um tópico sobre energia nuclear e suas aplicações no programa oficial de ensino da Escola Naval, na qual desempenha a função de professor e pesquisador, e posteriormente, no período 1941-1946,11 chefe do Departamento de Ciências Físicas.

 

Prêmio Almirante Álvaro Alberto 2019 no auditório da Escola Naval

 

Como representante do Brasil na Comissão de Energia Atômica do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, que chefia em dois períodos, enfrenta em 1946 o “Plano Baruch”, apresentado pelos Estados Unidos, que considerava como atividade não permitida a mineração e o refino de urânio e tório, propondo a internacionalização dessas reservas minerais. Graças à emenda apresentada pelo Almirante ao “Plano Baruch”, ressalvando da internacionalização as minas e os minérios, o Brasil pôde ingressar na era nuclear.

 

Uma moção da ABC, proposta em setembro de 1945 por Álvaro Alberto e inspirada  em  manifestações internacionais, registrou o interesse dos Acadêmicos pelo uso pacífico da energia atômica e pela cooperação internacional nessa área. No segundo mandato como Presidente da ABC, Álvaro Alberto tem um papel fundamental na criação, em 1951, do CNPq, do qual se torna seu primeiro presidente. O papel da ciência no desenvolvimento e no protagonismo internacional das nações estava então em grande evidência, especialmente diante da trágica demonstração do poder da energia nuclear em Hiroshima e Nagasaki. Um ano antes, é criada a National Science Foundation, nos Estados Unidos da América. Em 1956, Álvaro Alberto cria a Comissão Nacional de Energia Nuclear.

 

Começa aí a institucionalização da ciência brasileira, um processo completado com a criação da CAPES, da FINEP e das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa. Graças a essas instituições e ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), é possível ter uma EMBRAPA, uma EMBRAER, um reator multipropósito, a exploração de petróleo em águas profundas, diversas empresas com protagonismo internacional, progressos notáveis na área de saúde, infraestruturas de pesquisa de universidades, e a formação de profissionais que ajudam a construir o futuro do País.

 

Embora  seja  notável,  nesses  episódios que levaram ao CNPq e à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), a contribuição pessoal do Almirante Álvaro Alberto, suas ações refletem um envolvimento intenso da Marinha do Brasil com a ciência, a tecnologia e a inovação, bem como uma cooperação frequente com a Academia Brasileira de Ciências, ainda nos dias de hoje.

 

A colaboração entre a Marinha do Brasil, a ABC e o CNPq é celebrada anualmente, por ocasião da outorga do Prêmio Álvaro Alberto, o grande prêmio nacional na área de ciência e tecnologia. A Marinha do Brasil acrescentou, a esse prêmio, outras iniciativas, que incluem visitas a centros de pesquisa da Força e um troféu que reproduz um farol, simbolizando uma direção a seguir, baseada na ciência e na tecnologia.

 

O episódio recente de derramamento de petróleo no litoral brasileiro exemplificou a consistência dessa colaboração, através de um primeiro seminário realizado em Recife pela ABC, com a participação da Marinha, logo após o derramamento, e da constituição pela Marinha da Comissão Técnico-Científica para o Assessoramento e Apoio das Atividades de Monitoramento e Neutralização dos Impactos Decorrentes da Poluição Marinha por Óleo e outros Poluentes na Amazônia Azul. Uma iniciativa que vai além do derramamento de óleo, evidenciando um compromisso da Marinha do Brasil com o ecossistema da Amazônia Azul, que demanda ciência de fronteira para sua preservação, que deve incluir a  exploração sustentável de sua biodiversidade.

 

Vários projetos da Marinha envolvem ciência e tecnologias de fronteira. Esse é o caso do reator multipropósito, desenvolvido pela Amazul, com forte impacto sobre a produção de radioquímicos e a saúde da população brasileira. O Navio de Pesquisa Hidroceanográfico “Vital de Oliveira” tem sido um equipamento muito importante para pesquisas oceânicas, com forte envolvimento da comunidade científica nacional. E o submarino nuclear envolve tecnologias sofisticadas, que demandam produção nacional.

 

A Marinha contribui com as pesquisas científicas na Antártica

 

O futuro indicado pelo farol da ciência depende, certamente, dos sucessos do passado, mas isso não é suficiente. Nesses tempos de pandemia e de crise econômica e social, outros países apontam o caminho da navegação. O governo dos Estados Unidos investirão 250  bilhões de dólares em pesquisa nos próximos cinco anos. A Europa alocou 77 bilhões de euros no programa “Horizon2020”  de  financiamento  da  pesquisa, para o período de 2014 a 2020, e pretende alocar perto de 100 bilhões de euros para o período de 2021 a 2027, ao mesmo tempo que considera uma proposta de 1,85 trilhões de euros para um plano de recuperação pós-pandemia. A China aumentou em 10% seu orçamento para pesquisa em 2021.

 

 

O Brasil, no entanto, tem reduzido, nos últimos anos, os investimentos em ciência, tecnologia e inovação, e o orçamento para 2021  prevê redução  substancial dos recursos para o CNPq, FINEP e CAPES. A reversão dessa tendência é essencial para que o País possa recuperar sua economia, seriamente prejudicada pela pandemia, e ocupar, no cenário internacional,  o lugar que merece em função do tamanho de sua economia, da abundância de seus recursos naturais e da história exemplar de sucessos da ciência e da tecnologia nacionais. Apesar desses contratempos, ou até mesmo motivada por eles, a colaboração entre a Academia Brasileira de Ciências e a Marinha do Brasil certamente continuará no futuro como no passado, contribuindo para o bem-estar e a segurança da população e para o protagonismo internacional do País, usando uma arma que é comum a essas duas instituições: o conhecimento.

 

*Presidente da Academia Brasileira de Ciências