PSRM
17/08/2023 – Por Capitão de Corveta Paulo Felipe Ohara Messias – Ilha da Trindade
Única ilha oceânica brasileira com cursos de água permanentes, distante 1.140 quilômetros (km) de Vitória (ES) e 2.400 km da costa ocidental da África, a Ilha da Trindade, embora pouco conhecida pela maioria da população, é de suma importância para o país. Junto com as Ilhas Martin Vaz, distante 50 km a leste de Trindade, representam o marco leste da soberania nacional, garantida por meio de sua ocupação e de pesquisas que nelas são realizadas, as quais só ocorrem graças ao apoio logístico prestado pela Marinha do Brasil (MB) e o seu compromisso com a ciência.
Descoberta em 1501 pelo navegador português João da Nova e incorporada ao território brasileiro em 1822, a primeira notícia de desembarque na ilha ocorreu em 1700, quando o astrônomo inglês Edmund Halley tomou posse do território em nome da Inglaterra ao pensar ter descoberto uma nova ilha. A introdução de espécies exóticas invasoras como as cabras, porcos e camundongos na ilha por meio dos exploradores que chegavam ao local prejudicaram o ecossistema e levaram à devastação da flora ao longo dos anos. Desse modo, a rica floresta tropical que existia na ilha até os séculos XVII e XVIII, atualmente, reduziu-se a uma vegetação composta por gramíneas, ervas e uma floresta de samambaias gigantes com tamanhos só registrados no local.
Visando à garantia da soberania na região, foi criado o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT) em 1957. Desde então, militares da MB ocupam o local de forma contínua. Essa presença brasileira na região concede ao país o direito de estabelecer e explorar o Mar Territorial e a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) em seu entorno, somando uma área de cerca de 450.000 km² ao território nacional. Atualmente, o POIT, subordinado ao Com1ºDN, possui uma tripulação de cerca de 36 militares, os quais labutam sobre um sistema de substituição de metade do pessoal a cada dois meses, período de tempo em que um Navio de apoio logístico frequenta a Ilha para transportar pessoal e material necessários à manutenção da ocupação da Ilha.
“A interação entre pesquisadores e os militares que guarnecem o POIT garante o desenvolvimento de pesquisas científicas importantes e a manutenção da soberania neste local. Nessa união de forças, quem ganha é a sociedade brasileira”, afirma o Chefe do Destacamento do POIT, Capitão de Corveta (Quadro Técnico) Eliezer Louredo Ferreira.
Vista aérea do Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT) – 2ºSG-MEC Leal
Por outro lado, a fim de desenvolver as pesquisas na Ilha da Trindade, Ilhas Martin Vaz e área marítima adjacente, foi construída, em 2010, a Estação Científica da Ilha da Trindade (ECIT) através da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) por meio da Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM) - que atua pelo Programa de Pesquisas Científicas na Ilha da Trindade (PROTRINDADE), integrante do Plano Setorial para os Recursos do Mar (PSRM).
O PROTRINDADE, criado em abril de 2007 sob a égide da CIRM, possui o objetivo de gerenciar e ampliar o desenvolvimento de pesquisas científicas neste longínquo local. Desde então, o PROTRINDADE promove pesquisas nas mais diversas áreas do conhecimento, tais como: Meteorologia, Biologia Marinha, Botânica, Geologia, Oceanografia, Zoologia e Medicina. Esses projetos de pesquisa são vinculados a instituições de pesquisa e universidades espalhados por todo o país.
Navio de Socorro Submarino “Guillobel” no apoio logístico e científico em Trindade - 2ºSG-MEC Leal
No mês de agosto foi realizada a 123° Expedição Logística “POIT IV/2023”, a bordo do Navio de Socorro Submarino “Guillobel” (K120) e que teve por objetivo prestar apoio logístico e científico ao POIT. Nessa ocasião, foi realizado o desembarque de suprimentos e pessoal necessários para a manutenção da presença brasileira na ilha e garantia da soberania nacional na região. Além disso, 11 (onze) pesquisadores oriundos de 4 (quatro) projetos de pesquisa científica embarcaram no Navio para a condução de suas atividades de campo na Ilha da Trindade.
Um dos projetos científicos, de responsabilidade do Museu Nacional, é o de “Monitoramento da regeneração natural da vegetação da Ilha da Trindade”, após a remoção das cabras que devastaram a vegetação original e a ressurgência de espécies endêmicas, existentes apenas no local.
Pesquisadora registra a regeneração da espécie endêmica Plantago Trinitatis no Platô do Noroeste – CC Ohara
“Nós recebemos todo esse apoio logístico para chegar até aqui, a ajuda no campo para chegar até as espécies que precisamos encontrar, além da questão da infraestrutura por meio de laboratórios e alojamentos. Isso só é possível graças à Marinha do Brasil”, citou a pesquisadora do Museu Nacional, botânica Márcia Gonçalves, mestranda da UFRJ.
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela Unidade de Conservação de Trindade e Martin Vaz, também se fez presente na Expedição e atua no manejo e controle de espécies exóticas invasoras: “O primeiro passo na parte de manejo de espécies invasoras foi dado pela MB com a remoção das cabras. Esse projeto consiste em dar continuidade ao trabalho iniciado pela MB, com o controle e erradicação de espécies invasoras, tanto de fauna quanto de flora, visando à recuperação do ecossistema terrestre”, explicou o biólogo André Elias, mestre em Ecologia pela Universidade de Brasília (UnB).
Pesquisadores analisam espécie de planta exótica invasora no Pico do Desejado – ACN Bechtinger
Outro ramo das pesquisas diz respeito à fauna local, como a vertente do Projeto “RETER-Trindade”, que desenvolve uma pesquisa voltada à ecologia de população da espécie de camundongos (mus musculus) exótica invasora que se espalhou pela ilha no século XVIII.
Espécie exótica de camundongo existente na Ilha da Trindade – SO-FN-IF-RM1 RUY
“Buscamos entender a abundância dessa espécie de camundongos e sua relação com o ecossistema da ilha, a fim de dimensionar o seu impacto e desenvolver um possível programa para sua erradicação. Nada disso seria possível sem o apoio da Marinha do Brasil, desde o transporte à ilha e toda a equipe do POIT, composta por militares que auxiliam nas trilhas”, esclarece a pesquisadora Marina Trevisan, graduada em medicina veterinária pela UFF e pós-graduanda em Ecologia na UFSC.
O Programa de Monitoramento de Longa Duração das Comunidades Recifais de Ilhas Oceânicas (PELD-ILOC), vinculado à UFF, monitora os recifes das ilhas oceânicas brasileiras com o apoio da Marinha do Brasil.
Mergulhador da MB apoia no monitoramento recifal – bióloga Ana Clara Suhett
“O apoio logístico da Marinha por meio de botes e mergulhadores com experiência local é essencial para a realização do monitoramento do ambiente recifal na Ilha da Trindade, permitindo um estudo de como os organismos reagem às pressões ambientais e possíveis novos componentes que possam ser utilizados na indústria farmacêutica”, explicita a bióloga Juliana Fonseca, do projeto PELD-ILOC e doutoranda na UFRJ.
Já a pesquisadora Ana Clara Suhett, associada ao Projeto “Ciência Oceânica na Formação de Cidadãos Engajados na Conservação de Ilhas Oceânicas Brasileiras (ONDA-ILOC)”, vertente socioambiental do PELD-ILOC, relatou: “Trabalhamos fazendo uma sensibilização ambiental e monitorando a biodiversidade marinha e dos resíduos sólidos que chegam à ilha, o que ocorre através da ciência-cidadã, com o apoio voluntário de militares presentes no local. A Marinha do Brasil, através do PROTRINDADE, também nos oferece o suporte necessário para as pesquisas e palestras que realizamos a fim de elaborar o melhor plano de divulgação sobre a conservação marinha na ilha”.
Palestra de conscientização ambiental do ONDA-ILOC – bióloga Juliana Fonseca
Além disso, engenheiros da Diretoria de Obras Civis da Marinha (DOCM) desembarcaram na Ilha da Trindade para estudar e delimitar a área de instalação da usina fotovoltaica que substituirá os atuais grupos diesel-geradores, conforme estabelecido no Convênio firmado entre a SECIRM, Itaipu Binacional e a Fundação Parque Tecnológico de Itaipu, em 5 de janeiro de 2023. Essa mudança representará uma economia de óleo combustível de cerca de 90% do consumo atual, contribuindo significativamente para a diminuição dos riscos ambientais envolvidos no transporte de óleo combustível à ilha por meio de tambores de 200 litros. Dessa forma, as instalações do POIT devem receber energia limpa e renovável até julho de 2025.
Delimitação da área da futura usina fotovoltaica – CT (EN) David
Por fim, também fizeram parte da Expedição, por meio de um embarque de oportunidade, a fim de conhecer a rotina a bordo do NSSGuillobel e as atividades na Ilha da Trindade, dois alunos do 3º ano do Colégio Naval, instituição de ensino médio da MB que prepara para o ingresso na Escola Naval, onde são formados os futuros oficiais de carreira da Marinha.
Alunos do Colégio Naval a bordo do Navio de Socorro Submarino “Guillobel” – SO-SI Cabugá
“Não é possível quantificar o valor dessa experiência incrível. A oportunidade de deixar o ambiente da sala de aula e participar na prática de uma comissão de tal porte, além de conhecer mais das atividades que a Marinha do Brasil exerce, sem dúvidas, foi de grande relevância não só para a minha formação militar naval, mas também para minha vida” - Hugo de Souza Braga, aluno do Colégio Naval.
Alunos do Colégio Naval no Pico do Desejado – 600m de altitude – SO-SI Cabugá
“Uma oportunidade ímpar de conhecer a rotina de um dos navios da Marinha do Brasil e as instalações de uma ilha oceânica brasileira de acesso restrito a militares e pesquisadores. A troca de conhecimento com a tripulação do navio e da Ilha da Trindade certamente ampliaram meus horizontes com relação à carreira militar naval. Espero conseguir repassar àqueles que nunca tiveram a chance de visitar o local toda a sua importância para o país, tanto para o progresso científico quanto para a garantia da soberania nacional na região e o direito de exploração econômica exclusiva de modo sustentável” - Raphael Bechtinger, aluno do Colégio Naval.
Assista ao vídeo:
Vídeo: 2ºSG-MEC LEAL