Amazônia Azul

AMAZÔNIA AZUL: nossa fronteira leste é marítima...e também é objeto de nossas pesquisas!


Amazônia Azul é a denominação do território marítimo brasileiro, que possui hoje aproximadamente de 3,6 milhões de km² referentes à soma da Zona Econômica Exclusiva (ZEE) com a Plataforma Continental (PC) do Brasil. O termo, que foi primeiramente utilizado pelo Almirante-de-Esquadra Roberto de Guimarães Carvalho em 2004 no período em que era o Comandante da Marinha, foi cunhado através da comparação das propriedades desse território marítimo com as do território amazônico, ambos abundantes em recursos naturais de importância estratégica para o Brasil.

A região em questão é abundante em recursos naturais vivos e não-vivos, variada em biodiversidade de espécies e ainda possui comprovada presença de recursos minerais como petróleo e gás natural, elementos que somados revelam-se de elevado potencial econômico para o desenvolvimento do Brasil. Tal importância estratégica implica em medidas por parte do Brasil para a manutenção da defesa e segurança da região, assim como para a garantia da soberania do Estado brasileiro sobre essa.

A área total da Amazônia Azul pode ainda ser expandida para um total de 4,5 milhões de km², com o aval positivo da solicitação brasileira realizada junto ao órgão das Nações Unidas responsável pela delimitação dos limites da Plataforma Continental. O Estado Brasileiro tem atuado nessa matéria através da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), secretariada pela Marinha do Brasil, com o objetivo de estabelecer o limite exterior da Plataforma Continental brasileira. A delimitação desse espaço geográfico, denominado Amazônia Azul, foi fruto do Plano de Levantamento da Plataforma Continental Brasileira (LEPLAC), iniciado em 1989, que teve a finalidade de determinar a área oceânica compreendida além da Zona Econômica Exclusiva na qual o Brasil exercerá os direitos exclusivos de soberania para a exploração e o aproveitamento dos recursos naturais do leito e do subsolo de sua Plataforma Continental, conforme estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982.

Em 2004, após levantamentos realizados pela Marinha do Brasil, pela comunidade científica brasileira e pela Petrobras, o Brasil apresentou uma proposta à Comissão de Limites da ONU (CLPC), requerendo o prolongamento da Plataforma Continental brasileira (PC) até um limite de 350 milhas a partir da linha da costa. Em 2007, a CLPC concluiu a análise da proposta, não aceitando de modo total o pleito brasileiro. A Comissão discordou de aproximadamente 190 milhões de km² do total de 960 milhões de km² reivindicados no pleito encaminhado à Comissão.

No Laboratório de Simulações e Cenários da EGN, a Amazônia Azul, conceito tão caro ao Brasil e à sua defesa marítima, é estudada no contexto do Atlântico Sul, no "Projeto Amazônia Azul". Este projeto é multidisciplinar e tem participação de integrantes de diversos grupos de pesquisa do LSC, uma vez que entende a região como de alta complexidade e a vê como um mosaico de áreas do conhecimento, assim estudando a região sob pontos de vista tangenciais como geopolítica, direito internacional, cenários prospectivos, pirataria, diplomacia e política externa.

A Coordenação desse projeto é compartilhada pelos professores do Programa de Mestrado em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM): CMG (RM1), Prof. Dr. José Augusto Abreu de Moura e Profº Dr. Ricardo Pereira Cabral. Líder de pesquisa: Jéssica Germano


Abaixo, seguem alguns textos que podem auxiliar no entendimento do conceito de Amazônia Azul, assim como reforçar a importância dessa região para o Brasil.


Marinha do Brasil, Amazônia Azul.


Thompson, Nathan; Muggah, Robert. The Blue Amazon: Brazil Asserts Its Influence Across the Atlantic. Foreign Affairs. 2015.


Thompson, Nathan; Muggah, Robert. Amazônia Azul: Brasil confirma sua influência do outro lado do Atlântico. Tradução de Clarisse Meireles. Carta Maior. 2015.


Martins, Eliane M. Octaviano. Amazônia Azul: Na iminência de expansão do território marítimo brasileiro. Revista Âmbito Jurídico.


Carvalho, Roberto de Guimarães. A outra Amazônia. Folha de São Paulo. 2004.


FOLHA DE S. PAULO OPINIÃO

São Paulo, quarta-feira, 25 de fevereiro de 2004

TENDÊNCIAS/DEBATES


A outra Amazônia

ROBERTO DE GUIMARÃES CARVALHO*


Toda riqueza acaba por se tornar objeto de cobiça, impondo ao detentor o ônus da proteção. Tratando-se de recursos naturais, a questão adquire conotações de soberania nacional, envolvendo políticas adequadas, que não se limitam a, mas incluem, necessariamente, a defesa daqueles recursos.

Nesse contexto, a Amazônia brasileira, com mais de 4 milhões de km2, abrigando parcela considerável da água doce do planeta, reservas minerais de toda ordem e a maior biodiversidade da Terra, tornou-se riqueza conspícua o suficiente para, após a percepção de que se poderiam desenvolver ameaças à soberania nacional, receber a atenção dos formuladores da política nacional. Assim, a região passou a ser objeto de notáveis iniciativas governamentais, que visam à consolidação de sua integração ao território nacional, à garantia das fronteiras, à ocupação racional do espaço físico e à exploração sustentada dos importantes recursos naturais ali existentes. Como exemplos dessas iniciativas podemos citar o Projeto Calha Norte e o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), que inclui o Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam).

Entretanto, há uma outra Amazônia, cuja existência é, ainda, tão ignorada por boa parte dos brasileiros quanto o foi aquela por muitos séculos. Trata-se da "Amazônia azul", que, maior do que a verde, é inimaginavelmente rica. Seria, por todas as razões, conveniente que dela cuidássemos antes de perceber-lhe as ameaças.

Conforme estabelecido na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ratificada por quase cem países, inclusive o Brasil, todos os bens econômicos existentes no seio da massa líquida, sobre o leito do mar e no subsolo marinho, ao longo de uma faixa litorânea de 200 milhas marítimas de largura, na chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE), constituem propriedade exclusiva do país ribeirinho. Em alguns casos, a Plataforma Continental (PC) -prolongamento natural da massa terrestre de um Estado costeiro- ultrapassa essa distância, podendo estender a propriedade econômica do Estado a até 350 milhas marítimas. Essas áreas somadas -a ZEE mais a PC- caracterizam a imensa "Amazônia azul", medindo quase 4,5 milhões de km2, o que acrescenta ao país uma área equivalente a mais de 50% de sua extensão territorial.

No Brasil, apesar de 80% da população viver a menos de 200 km do litoral, pouco se sabe sobre os direitos que o país tem sobre o mar que o circunda e seu significado estratégico e econômico, fato que, de alguma forma, parece estar na raiz da escassez de políticas voltadas para o aproveitamento e proteção dos recursos e benefícios dali advindos.

Citemos, de início, o transporte marítimo. Apesar de ser lugar-comum afirmar que mais de 95% do nosso comércio exterior é transportado por via marítima, poucos se dão conta da magnitude que o dado encerra. O comércio exterior, soma das importações e das exportações, totalizou, no ano passado, um montante da ordem de US$ 120 bilhões. Ademais, não é só o valor financeiro que conta, pois, em tempos de globalização, nossos próprios produtos empregam insumos importados, de tal sorte que interferências com nosso livre trânsito sobre os mares podem levar-nos, rapidamente, ao colapso. A conclusão lógica é a de que somos de tal maneira dependentes do tráfego marítimo que ele se constitui em uma de nossas grandes vulnerabilidades. Como agravante, o país gasta com fretes marítimos, anualmente, cerca de US$ 7 bilhões, sendo que apenas 3% desse total são transportados por navios de bandeira brasileira.

O petróleo é outra grande riqueza da nossa "Amazônia azul". No limiar da auto-suficiência, o Brasil prospecta, no mar, mais de 80% do seu petróleo, o que, em números, significa algo na ordem de 2 milhões de barris por dia. Com as cotações vigentes, é dali extraído, anualmente, um valor aproximado de US$ 22 bilhões. Novamente, não é só o valor financeiro que conta. Privados desse petróleo, a decorrente crise energética e de insumos paralisaria, em pouco tempo, o país.

Além do tráfego marítimo e do petróleo, que, per se, já bastariam para mensurar o significado da nossa dependência em relação ao mar, poderíamos mencionar outras potencialidades econômicas como, por exemplo, a pesca. Em que pese a vastidão da área a explorar, a pesca permanece praticamente artesanal, enfrentando dificuldades de toda ordem, que elevam os custos e limitam a produção, quando poderia ser uma valiosa fonte para a geração de empregos e, também, um poderoso aliado para o programa Fome Zero. Existem, ainda, potencialidades menos tangíveis, como os nódulos polimetálicos, jazentes sobre o leito do mar e cuja exploração, economicamente inviável no presente, poderá se tornar considerável filão de riquezas no futuro.

Na Amazônia verde, as fronteiras que o Brasil faz com seus vizinhos são fisicamente demarcáveis e estão sendo efetivamente ocupadas por pelotões de fronteira e obras de infra-estrutura. Na "Amazônia azul", entretanto, os limites das nossas águas jurisdicionais são linhas sobre o mar. Elas não existem fisicamente. O que as define é a existência de navios patrulhando-as ou realizando ações de presença.

Para tal, a Marinha tem que ter meios, e há que se ter em mente que, como dizia Rui Barbosa, esquadras não se improvisam. Para que, em futuro próximo, se possa dispor de uma estrutura capaz de fazer valer nossos direitos no mar, é preciso que sejam delineadas e implementadas políticas para a exploração racional e sustentada das riquezas da nossa "Amazônia azul", bem como que sejam alocados os meios necessários para a vigilância e a proteção dos interesses do Brasil no mar.


*Roberto de Guimarães Carvalho, 64, almirante-de-esquadra, é o Comandante da Marinha.