Ilha da Trindade, tesouro nacional no extremo leste da Amazônia Azul
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Ilha da Trindade, tesouro nacional no extremo leste da Amazônia Azul
Única ilha oceânica brasileira com cursos de água permanentes, distante 1.140 quilômetros de Vitória (ES) e 2.400 km da costa ocidental da África, a Ilha da Trindade, embora pouco conhecida pela maioria da população, desempenha relevante papel na produção de conhecimento científico e na manutenção da soberania nacional no coração do Atlântico Sul.
Descoberta em 1501 pelo navegador português João da Nova e incorporada ao território brasileiro em 1822, a ilha registra o primeiro desembarque no ano de 1700, quando o astrônomo Edmund Halley tomou posse do território em nome da Inglaterra, ao pensar ter descoberto uma nova ilha. A partir de então, a introdução de espécies exóticas invasoras como as cabras, porcos e camundongos, por meio dos exploradores que chegavam ao local, prejudicaram o ecossistema e levaram à devastação da sua flora ao longo dos anos. Desse modo, a rica floresta tropical que lá existia até os séculos XVII e XVIII reduziu-se, atualmente, a uma vegetação composta por gramíneas, ervas, além de uma floresta de samambaias gigantes com tamanhos só registrados na ilha.
Junto com as Ilhas Martin Vaz, situadas 50 km a leste, Trindade representa a parcela mais oriental do território brasileiro. Em 1957, visando à garantia da soberania na região, foi criado o Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT). Desde então, militares da Marinha do Brasil (MB) ocupam o local de forma contínua. Essa presença na região concede ao País o direito de estabelecer e explorar o Mar Territorial e a Zona Econômica Exclusiva em seu entorno, somando uma área de cerca de 450 mil km² às águas jurisdicionais brasileiras, também conhecidas como “Amazônia Azul”, dada sua importância ambiental, científica, econômica e estratégica para o Brasil, à semelhança da Floresta Amazônica, a “Amazônia Verde”.
Atualmente, o POIT, subordinado ao Comando do 1º Distrito Naval, possui uma tripulação de cerca de 36 militares, que lá trabalham sob um sistema de substituição de metade do pessoal a cada dois meses, período de tempo em que um navio da MB presta apoio logístico, transportando pessoal e material necessários à manutenção da ocupação e das atividades desenvolvidas na Ilha. Além de realizar a coleta diária de dados para o Serviço Meteorológico da Marinha, a guarnição do POIT presta apoio aos pesquisadores que realizam estudos de campo no local.
“A interação entre pesquisadores e os militares que guarnecem o POIT garante o desenvolvimento de pesquisas científicas importantes e a manutenção da soberania neste local. Nessa união de forças, quem ganha é a sociedade brasileira”, afirma o Chefe do Destacamento do POIT, Capitão de Corveta (Quadro Técnico) Eliezer Louredo Ferreira.
Vista aérea do Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade (POIT) – Imagem: 2ºSG-MEC Leal
Por outro lado, a fim de desenvolver as pesquisas na Ilha da Trindade, Ilhas Martin Vaz e área marítima adjacente, foi construída, em 2010, a Estação Científica da Ilha da Trindade, por meio da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM) e da Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM), no âmbito do Programa de Pesquisas Científicas na Ilha da Trindade (PROTRINDADE), integrante do Plano Setorial para os Recursos do Mar.
O PROTRINDADE, criado em abril de 2007 sob a égide da CIRM, possui o objetivo de gerenciar e ampliar o desenvolvimento de pesquisas científicas neste local remoto. Desde então, o Programa promove pesquisas em diversas áreas do conhecimento, tais como: Meteorologia, Biologia Marinha, Botânica, Geologia, Oceanografia, Zoologia e Medicina. Esses projetos de pesquisa são vinculados à instituições de pesquisa e universidades espalhadas por todo o país.
Navio de Socorro Submarino “Guillobel” no apoio logístico e científico em Trindade – Imagem: 2ºSG-MEC Leal
Apoio Logístico
No mês de agosto, foi realizada a 123° Expedição Logística “POIT IV/2023”, capitaneada pelo Navio de Socorro Submarino (NSS) “Guillobel”, quando foi realizado o desembarque de suprimentos e pessoal militar na ilha. Além disso, 11 (onze) pesquisadores oriundos de 4 (quatro) projetos de pesquisa científica embarcaram no Navio para a condução de suas atividades de campo na Ilha da Trindade.
O “Monitoramento da Regeneração Natural da Vegetação da Ilha da Trindade”, conduzido pelo Museu Nacional, é um dos projetos científicos realizados. Ele busca verificar a situação da flora local e a ressurgência de espécies endêmicas, existentes apenas na Ilha, após a remoção das cabras que devastaram a vegetação original.
Pesquisadora registra a regeneração da espécie endêmica Plantago Trinitatis no Platô do Noroeste – Imagem: CC Ohara
“Nós recebemos todo esse apoio logístico para chegar até aqui, a ajuda no campo para chegar até as espécies que precisamos encontrar, além da questão da infraestrutura por meio de laboratórios e alojamentos. Isso só é possível graças à Marinha do Brasil”, citou a pesquisadora botânica do Museu Nacional, Márcia Gonçalves, mestranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela Unidade de Conservação de Trindade e Martin Vaz, também se fez presente na Expedição e atua no manejo e controle de espécies exóticas invasoras: “O primeiro passo na parte de manejo de espécies invasoras foi dado pela MB com a remoção das cabras. Esse projeto consiste em dar continuidade ao trabalho iniciado pela MB, com o controle e erradicação de espécies invasoras, tanto de fauna quanto de flora, visando à recuperação do ecossistema terrestre”, explicou o biólogo André Elias, mestre em Ecologia pela Universidade de Brasília.
Pesquisadores analisam espécie de planta exótica invasora no Pico do Desejado – Imagem: ACN Bechtinger
Outro ramo das pesquisas diz respeito à fauna local, como a vertente do Projeto “RETER-Trindade”, que desenvolve uma pesquisa voltada à ecologia de população da espécie de camundongos (mus musculus) exótica invasora que se espalhou pela ilha no século XVIII.
Espécie exótica de camundongo existente na Ilha da Trindade – Imagem: SO-FN-IF-RM1 RUY
“Buscamos entender a abundância dessa espécie de camundongos e sua relação com o ecossistema da ilha, a fim de dimensionar o seu impacto e desenvolver um possível programa para sua erradicação. Nada disso seria possível sem o apoio da Marinha do Brasil, desde o transporte à ilha e toda a equipe do POIT, composta por militares que auxiliam nas trilhas”, esclarece a pesquisadora Marina Trevisan, graduada em medicina veterinária pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e pós-graduanda em Ecologia na Universidade Federal de Santa Catarina.
O Programa de Monitoramento de Longa Duração das Comunidades Recifais de Ilhas Oceânicas (PELD-ILOC), vinculado à UFF, monitora os recifes das ilhas oceânicas brasileiras com o apoio da Marinha.
Mergulhador da MB apoia no monitoramento recifal – Imagem: bióloga Ana Clara Suhett
“O apoio logístico da Marinha por meio de botes e mergulhadores com experiência local é essencial para a realização do monitoramento do ambiente recifal na Ilha da Trindade, permitindo um estudo de como os organismos reagem às pressões ambientais e possíveis novos componentes que possam ser utilizados na indústria farmacêutica”, explicita a bióloga Juliana Fonseca, do projeto PELD-ILOC e doutoranda na UFRJ.
Já a pesquisadora Ana Clara Suhett, associada ao Projeto “Ciência Oceânica na Formação de Cidadãos Engajados na Conservação de Ilhas Oceânicas Brasileiras (ONDA-ILOC)”, vertente socioambiental do PELD-ILOC, relatou: “Trabalhamos fazendo uma sensibilização ambiental e monitorando a biodiversidade marinha e dos resíduos sólidos que chegam à ilha, o que ocorre através da ciência-cidadã, com o apoio voluntário de militares presentes no local. A Marinha do Brasil, por meio do PROTRINDADE, também nos oferece o suporte necessário às pesquisas e palestras que realizamos, a fim de elaborar o melhor plano de divulgação sobre a conservação marinha na ilha”.
Palestra de conscientização ambiental do ONDA-ILOC – Imagem: bióloga Juliana Fonseca
Engenheiros da Diretoria de Obras Civis da MB também desembarcaram na Ilha da Trindade para estudar e delimitar a área de instalação da usina fotovoltaica que substituirá os atuais grupos diesel-geradores, conforme estabelecido no Convênio firmado entre a SECIRM, Itaipu Binacional e a Fundação Parque Tecnológico de Itaipu, em 5 de janeiro de 2023. Essa mudança representará uma economia de óleo combustível de cerca de 90% do consumo atual, contribuindo, significativamente, para a diminuição dos riscos ambientais envolvidos no transporte de óleo combustível à ilha por meio de tambores de 200 litros. Dessa forma, as instalações do POIT devem receber energia limpa e renovável até julho de 2025.
Delimitação da área da futura usina fotovoltaica – Imagem: CT (EN) David
Por fim, também fizeram parte da Expedição, por meio de um embarque de oportunidade, a fim de conhecer a rotina a bordo do NSS “Guillobel” e as atividades na Ilha da Trindade, dois alunos do 3º ano do Colégio Naval (CN), instituição de ensino médio da MB que prepara para o ingresso na Escola Naval, onde são formados os futuros oficiais de carreira da Marinha.
Alunos do Colégio Naval a bordo do Navio de Socorro Submarino “Guillobel” – Imagem: SO-SI Cabugá
“Não é possível quantificar o valor dessa experiência incrível. A oportunidade de deixar o ambiente da sala de aula e participar na prática de uma comissão de tal porte, além de conhecer mais das atividades que a Marinha do Brasil exerce, foi, sem dúvidas, de grande relevância não só para a minha formação militar naval, mas também para minha vida”, declarou Hugo de Souza Braga, aluno do CN.
Alunos do Colégio Naval no Pico do Desejado – 600m de altitude – Imagem: SO-SI Cabugá
Já o aluno do CN Raphael Bechtinger avaliou a viagem como “uma oportunidade ímpar de conhecer a rotina de um dos navios da MB e as instalações de uma ilha oceânica brasileira de acesso restrito a militares e pesquisadores. A troca de conhecimento com a tripulação do navio e da Ilha da Trindade certamente ampliaram meus horizontes com relação à carreira militar naval. Espero conseguir repassar àqueles que nunca tiveram a chance de visitar o local toda a sua importância para o país, tanto para o progresso científico, quanto para a garantia da soberania nacional na região e o direito de exploração econômica exclusiva de modo sustentável”.
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